Fenômeno, que funciona como um ‘sistema imunológico psicológico’, ocorre quando não é possível conquistar o que se deseja, então mente sintetiza a satisfação
A felicidadeode estar em qualquer lugar. Até naquela pedra no caminho. Até na tragédia. Essa é a teoria do doutor em psicologia social e autor do best-seller “O que Nos Faz Felizes”, Daniel Gilbert. Ele, que é professor do curso de psicologia em Harvard, acredita que o corpo pode produzir felicidade a partir da realidade. E a ciência comprova.
Gilbert descobriu que o cérebro possui uma espécie de “sistema imunológico psicológico”. “É um sistema cognitivo de processos, principalmente inconscientes, que ajuda as pessoas a mudarem suas percepções para que elas se sintam melhores no mundo em que estão inseridas. Nós sintetizamos a felicidade (no cérebro)”, comenta o pesquisador em sua palestra no TED, que já tem mais de 13 milhões de visualizações.
Foi provavelmente esse sistema que agiu para que a designer Amanda Ferrari*, 52, conseguisse superar a perda de um emprego e continuasse a ser feliz, mesmo depois desse contratempo. “Trabalhei 15 anos em uma empresa e tive Lesão por Esforço Repetitivo (LER). Fiquei de licença, e, quando voltei, eles me mandaram embora. Tive um período de luto, mas hoje eu tenho certeza de que foi o melhor que poderia ter me acontecido”, acredita.
Amanda se considera uma pessoa resiliente. Ela diz conseguir lidar bem com as situações, até quando o cenário não é exatamente como ela gostaria. “Atribuo muito disso ao fator de confiar que Deus tem o melhor para mim. Eu coloco toda a minha vida diante de Deus e faço toda a minha parte. Se eu fiz tudo, e Ele não permitiu (que a coisa acontecesse), é porque Ele tem alguma coisa muito melhor para mim”, afirma.
Felicidades.Segundo o pesquisador Daniel Gilbert, existem dois tipos diferentes de felicidade: a natural e a sintética. “Felicidade natural é o que acontece quando nós conseguimos o que queremos. Felicidade sintética é o que nós fazemos quando não conseguimos o que queremos”, explica ele.
Ambos os tipos de felicidade são genuínos, reais e duradouros. Gilbert conduziu um experimento com pessoas que sofrem de perda de memória recente. Em um primeiro momento, ele apresentou a esses pacientes pôsteres com seis quadros de Monet e pediu para que eles classificassem de acordo com seu gosto pessoal, sendo 1 o que gostavam mais, e 5 o que gostavam menos. Depois, ele dava de presente o quadro 4 da escala de preferência para os pacientes. Mas o brinde não era entregue na hora.
Meia hora depois, quando os pacientes com amnésia já haviam se esquecido da primeira parte do experimento, ele voltava ao quarto, apresentava novamente os quadros e pedia para que eles organizassem de novo de acordo com suas preferências. O resultado foi que, mesmo sem lembrar que haviam ganhado o quadro de presente, os pacientes o colocaram mais à frente na escala de sua preferência.
“O que essas pessoas fizeram ao sintetizar a felicidade foi verdadeiramente mudar suas reações afetivas, hedonísticas e estéticas sobre o pôster. Eles não estão dizendo que gostam mais do pôster porque o ganharam – eles nem se lembram que ganharam”, diz o pesquisador.
Apesar das evidências, a sociedade ocidental tende a acreditar que a felicidade sintética é, de alguma forma, menos valiosa que a natural. A origem dessa crença, de acordo com Gilbert, está na sociedade de consumo. “Que tipo de máquina econômica continuaria girando se nós acreditássemos que não ter o que queremos pode nos fazer tão felizes quanto ter?”, provoca.
“Quando nossa ambição é contida, ela nos leva a trabalhar com prazer. Quando nossa ambição é ilimitada, nos leva a enganar, roubar, ferir os outros, sacrificar coisas que são realmente valiosas. Quando nosso medo é contido, somos prudentes, cautelosos. Quando nossos medos são ilimitados e reforçados, nós somos irresponsáveis e covardes”, analisa Gilbert. Para ele, a felicidade se encontra em algum lugar entre esses extremos.
*Pseudônimo usado a pedido da designer entrevistada